FOLHA DE SÃO PAULO – 10/07/2024
O governo federal anunciou nesta quarta (10) um pacote de medidas de incentivo à reciclagem e ao trabalho dos catadores de materiais recicláveis. Dados da Associação Nacional de Catadores (Ancat) apontam que cerca de 800 mil pessoas trabalham na área, a maioria composta por mulheres negras.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin, e a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, ladeados por lideranças de movimentos de catadores de várias partes do país, anunciaram programas e medidas que somam mais de R$ 425 milhões.
Elas incluem o decreto de regulamentação da Lei de Incentivo à Reciclagem (LIR), que prevê R$ 306 milhões em renúncia fiscal já em 2024, e o programa Novo Cataforte, com editais que somam mais de R$ 100 milhões oriundos da Caixa Econômica Federal (CEF), da Fundação Banco do Brasil, do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) e do Fundo Nacional do Meio Ambiente.
Os anúncios foram feitos durante a reunião do Comitê Interministerial para Inclusão Socioeconômica de Catadoras e Catadores de Materiais Reutilizáveis e Recicláveis (CIISC) nesta quarta-feira (10), em Brasília.
“Sou catadora de origem de rua e comecei a catar de carroça com a minha avó”, discursou a catadora Aline Souza, que passou a faixa presidencial a Lula na cerimônia de posse em janeiro do ano passado, cuja liturgia foi alterada pela ausência do ex-presidente Jair Bolsonaro.
“Essas entregas não são para o benefício apenas de catadores e catadoras do Brasil, mas para fortalecer a nossa Política Nacional de Resíduos Sólidos, que trata da questão ambiental. A reciclagem precisa de investimento. Gasta-se muito dinheiro para transportar e aterrar lixo, mas não se gasta com quem está trabalhando para desviar esses resíduos”, disse ela.
“Se não trabalharmos na origem, vamos ter de lidar com as consequências do problema. Se a gente gera lixo, a gente tem responsabilidade e tem que arcar com ela. Tem quem ache que a catador é o resto do resto, mas prestamos um serviço ambiental essencial. Só com políticas públicas poderemos resgatar a nossa dignidade humana.”
Lula, em tom de puxão de orelha nas autoridades presentes, afirmou: “Todos os ministros que estão envolvidos nesta pautas precisam estar presentes nas reuniões da comissão que vai implementar esses recursos. Quero seriedade nisso porque quero que vocês tenham sucesso. Isso só faz sentido se esse dinheiro estiver gerando mais emprego e cidadania”. Também participaram o Secretário-Geral da Presidência, Márcio Macedo, e ministros da Justiça, Saúde, Igualdade Racial, Direitos Humanos e Povos Indígenas.
LEI DE INCENTIVO À RECICLAGEM
Promulgada em dezembro de 2021, a Lei de Incentivo à Reciclagem (LIR), apelidada de Lei Rouanet da Reciclagem, se baseou no modelo de incentivo ao esporte para permitir a captação de recursos privados para projetos de reciclagem aprovados pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA).
A lei 14.260 prevê a dedução de até 6% do imposto de renda de pessoas físicas e até 1% de pessoas jurídicas tributadas com base no lucro real.
O decreto estabelece que podem ser inscritos na LIR projetos direcionados a implantação de infraestrutura para empresas, associações e cooperativas; aquisição de equipamentos e de veículos. Também estão previstos projetos de organização de cadeias produtivas de reciclagem e de fortalecimento da participação de catadores nelas, além de capacitação, formação e assessoria técnica. Incubação de empresas para o setor, pesquisas na área e desenvolvimento de novas tecnologias para agregar valor ao trabalho de coleta de materiais recicláveis entram também na LIR.
“Serão 103 milhões investidos a fundo perdido na capacitação, fortalecimento e estruturação de cooperativas”, afirma o secretário de Meio Ambiente Urbano e Qualidade Ambiental do MMA, Adalberto Maluf. “A ideia é capacitar cooperativas, dar estrutura para elas, dar maquinários, sistemas solares, contêineres e compostagem para que se estruturem em centrais de cooperativas, capazes de dar escala à produção e de vender direto para a indústria”, explica.
Segundo Maluf, o Brasil tem cerca de 3 mil cooperativas de catadores, e somente 721 recebem créditos de logística reversa, prática em que empresas adquirem créditos de materiais recicláveis recuperados para a cadeia de reciclagem de acordo com a quantidade de resíduos gerados pelos produtos que elas colocam no mercado.
“Isso quer dizer que só tem 721 cooperativas organizadas, que emitem nota fiscal e conseguiram negociar um acordo com uma entidade gestora de logística reversa. Então, eu tenho quase 2.300 outras cooperativas que posso capacitar e melhorar para que ela comece a ganhar crédito de logística reversa”, explica.
Os trâmites dos projetos serão especificados por portaria que deve determinar prazos, meios e limites. Proponentes de projetos para a LIR precisam ser pessoas jurídicas com um ano de funcionamento, entre pequenas e microempresas, cooperativas. condomínios, organizações da sociedade civil (OSC), instituições de ensino e de pesquisa e empreendimentos de catadores. A somatória de projetos de um mesmo proponente está prevista para ter um teto de R$ 8 milhões.
O governo lançou ainda um campo do Sistema Nacional de Informações sobre Gestão de Resíduos Sólidos (Sinir) voltado apenas para catadores.
“Todo incentivo para ampliar a reciclagem é muito bem-vindo”, avalia Carlos da Silva Filho, presidente da International Solid Waste Association (ISWA) e sócio da S2F Partners. Se a gente considerar que hoje recicla 2,4 milhões de toneladas por ano e que a meta a partir de 2024 é dobrar esse número para cerca de 5 milhões de toneladas ano, precisaremos de muito incentivos que vão além da lei”, diz.
Para ele, é preciso lembrar que reciclagem é importante para resíduos secos e também para os orgânicos.
Como funciona a Lei de Incentivo à Reciclagem?
Conhecida como Lei de Incentivo à Reciclagem, a Lei 14.260/21 estabelece incentivos fiscais e benefícios para projetos que estimulem a cadeia produtiva da reciclagem. Ela também é responsável pela criação do Fundo de Apoio para Ações Voltadas à Reciclagem (Favorecicle) e dos Fundos de Investimentos para Projetos de Reciclagem (ProRecicle).
Seu objetivo é fomentar o uso de matérias-primas e de insumos de materiais recicláveis e reciclados, seguindo as premissas estabelecidas pela Política Nacional de Resíduos Sólidos.
O mecanismo foi aprovado em 2021, mas a sanção veio apenas em 2022 com a derrubada de alguns vetos presidenciais. Entretanto, a regulamentação não aconteceu, ou seja, ainda não é possível submeter projetos, captar recursos dela ou investir.
Mesmo assim, agora é o momento para estudar a Lei e ver como é possível se beneficiar. Confira as informações mais importantes a seguir!
Por que a Lei de Incentivo à Reciclagem surgiu?
A Lei visa contornar os baixos índices de reciclagem no Brasil, que giram em torno de 4% para resíduos sólidos, segundo dados da Abrelpe (Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais). Das 82,5 milhões de toneladas anuais de resíduos sólidos urbanos (RSU), 33,6% são de materiais recicláveis secos e boa parte deles não é reaproveitada.
É uma quantidade significativa de plástico, papel e papelão, vidro, metal e embalagens multicamadas que poderiam retornar para a indústria e gerar renda para a população, mas que é descartada. Anualmente, há uma perda econômica de R$ 14 bilhões devido aos materiais recicláveis que vão para o lixão.
Projetos apoiados pela Lei de Incentivo à Reciclagem
Poderão receber fomento projetos:
de capacitação, formação e assessoria técnica a organizações que busquem promover, desenvolver ou fomentar atividades de reciclagem;
incubação de microempresas, de pequenas empresas, de cooperativas e de empreendimentos sociais solidários que atuem em atividades de reciclagem;
pesquisas e estudos que estudem a responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos;
implantação e adaptação de infraestrutura física de microempresas, de pequenas empresas, de indústrias, de cooperativas e de associações de catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis
aquisição de equipamentos e veículos necessários a todo o ciclo de reciclagem de materiais por pequenas empresas, cooperativas e associações de catadores;
organização de redes de comercialização e cadeias produtivas;
capacitação e fortalecimento de agentes ambientais na cadeia de reciclagem;
desenvolvimento de novas tecnologias para o setor.
Porcentagens de dedução para investidores
Pessoas Físicas que realizam sua declaração do IR no modelo completo podem destinar até 6% do imposto de renda devido para apoio de projetos de reciclagem, em troca da dedução do valor no imposto. O recurso compete com os limites dos demais mecanismos federais de incentivo: cultura, audiovisual, esporte, Fundos da Infância e Adolescência e Fundos do Idoso.
Já as Pessoas Jurídicas tributadas no Lucro Real podem destinar até 1% do imposto de renda devido, em troca da dedução do valor no imposto.
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